domingo, 27 de fevereiro de 2011

Ana Bolena/Gabriel Rosa

          Só espero não ter feito ninguém se apaixonar profundamente por mim, se o fiz, não sei como aconteceu, não fiz nada de mais, nada além do normal. Talvez eu tenha emanado como me sentia, e eu me sentia como Ana Bolena, em The Tudors, não sei expressar de outra forma, mas não tinha a intenção de arrebatar o coração de ninguém, não quero criar falsas esperanças e não quero me sentir culpado por sofrimentos alheios, especialmente de alguém que eu mal conheço. Isso seria péssimo pra mim. Não quero que aconteça o que aconteceu comigo no passado por causa de mim, eu me sentiria mal.
          Mas eu também fui um tanto sacana, fui embora sem me despedir, e no outro dia, não queria nem ver com medo do que poderia acontecer. Graças aos deuses não aconteceu nada, mas parece que daqui um tempo não vai ser assim, e eu tenho medo do que pode acontecer.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Vontade de Você

          Um garoto está sentado na sala de convivência de empresa, a salinha do café. Não é bem um garoto, já é um rapaz, seus vinte e tantos anos, bonito, inteligente, bem vestido, simpático. Um outro rapaz chega, traços orientais, mestiço, pra ser mais claro, bem atraente. Os dois tomam café, afinal, o que mais fariam na salinha do café? Existe algo no ar, uma tensão, uma química diferente. O oriental tenta disfarçar, mas o outro sente seu olhar ardendo no seu rosto. Este clima não é novo. Os dois se encaram, sérios, sem movimentos bruscos, apenas o levar as xícara aos lábios, nada mais. Um deles resolve quebrar o silêncio.

          ― Por que quando eu falo com você, você fica tímido e responde qualquer coisa?
          ― Ah meu, sei lá!
          ― Viu? É sempre isso. E quando eu tento te abraçar então? Até hoje é um mistério pra mim como eu consegui aquele abraço na festa de Natal do pessoal. Parece que você tem medo de mim.
          ― É que, sei lá meu, você meio que... me assusta.
          ― Sério? Por quê?
          Silêncio. Uma mulher entra na sala, pega um copinho descartável, toma o café e, quando está prestes a sair:
          ― Vera, por acaso eu meto medo em alguém ou sou perigoso?
          ― O que? Você Felipe? Ah, essa é boa. ― e sai rindo. Ele volta a olhar o rapaz que está na poltrona da frente.
          ― Não é medo, é, sei lá, parece que você vai...
          ― Te atacar? Te morder?
          ― É!
          ― Eu não sou canibal! Aliás, parece que é você que vai me comer com os olhos. Ou você realmente acha que eu não notei que você fica me olhando o dia todo?
          ― É que...
          ― É que você tem medo do que eu provoco em você, é isso, simples assim.
          Silêncio. Dessa vez é um silêncio de consentimento que sai da boca aberta e sem palavras do oriental.
          ― Não meu, que nada.
          ― Então por que esse silêncio?
          ― Por...por nada, oras.
          ― Você não precisa ter medo de mim, eu nunca vou fazer qualquer coisa contra você sem o teu consentimento.
          Pausa, um homem entra, pega um saquinho de chá, coloca na caneca que trouxe na mão e a enche de água quente e sai.
          ― Já sei, hoje você vai tomar uma cerveja comigo num barzinho que eu conheço. É aqui perto, aposto que você vai gostar. Ah, e não adianta fugir. ― levanta e sai.
          Quando o expediente acabou, os dois foram para o tal barzinho. O clima já estava menos tenso, já riam e conversavam quase normalmente.
          ―Vamos lá em casa, tenho umas músicas e uns filmes que você vai gostar.
          O japonês emudeceu.
          ― É... ãh...é que...
          ― “É que” nada! Vamos lá. Eu já disse, não precisa ter medo de mim.
          ― Tá bom então, mas rapidinho...
          ― Certo.
          Chegaram ao apartamento. Quarto sala e cozinha, mas bem ajeitado. O dono do imóvel liga o computador, tira gravata, paletó, os sapatos e meias e abre alguns botões da camisa, deixando aparecer a regata que usa por baixo e um pouco do peio.
          ― Sinta-se à vontade!
          ― Não precisa, vai ser rápido...
          ― Vem, senta, tira o sapato ― puxa ele pela mão e o coloca no sofá, com a maior naturalidade e até uma certa leveza nisso.
          O rapaz acaba cedendo e tira o paletó, gravata e sapatos e desabotoa só o primeiro botão da camisa para não morrer enforcado.
          Depois de uma longa conversa, uma lata e meia de cerveja para cada e algumas risadas, os dois estão jogando UNO, só de regata e calça. O jogo termina e o assunto também, os dois ficam parados olhando para o monte de cartas coloridas na mesa de centro.
          ― Eu vou pegar mais uma latinha, você quer?
          ― Eu ainda... pode pegar, essa já esquentou.
          Quando volta, Felipe percebe que Augusto nem se mexeu, a não ser quando ele entrou na sala. Ele o encarava, pegou a cerveja, agradeceu, abriu, tomou um gole, tudo sem tirar os olhos dele.
          ― Mas então, que nome é esse? Quer dizer, eu não imaginaria, se não te conhecesse, que seu nome é Augusto. Não parece com um nome comum para um descendente de japonês.
          ― É a minha mãe que é descendente, meu pai não, e era o nome do meu avô e tal...
          ― Ah, sim...
          ― Posso te perguntar uma coisa?
          ― Pode, claro!
          ― Como é?
          ― Como é o que?
          ― Ah, você sabe... pegar outro cara. ― suas bochechas coram e ele finalmente perde o foco da sua atenção.
          ― Uau... ãh, bom é...normal. Por quê?
          ― Não, nada não, só curiosidade mesmo.
          ― Ah, sei. Sabe de uma coisa, eu acho que você tem vontade de tentar.
          ― O que? Eu? Não... não!
          ― Então por que você me olha tanto com esse olhar de quem tenta seduzir outra pessoa? Não acho que você tenha vontade de ficar com caras...
          ― E eu não tenho.
          ―... você é mais específico.
          ― Como assim?
          ― Você não quer ficar com um cara qualquer, você que ficar comigo. Você não tem curiosidade de beijar outros homens, você tem curiosidade de mim!
          ― Não meu, eu gosto de mulher, só de mulher!
          ― Como você sabe?
          ― Sabendo.
          ― Já experimentou?
          ― Não!
          ― Então como você pode ter tanta certeza? Além do mais, por que você estaria aqui sendo que você “tinha o que fazer”?
          As perguntas ficam sem resposta.
          ― Do que você tem medo? De gostar?
          ― Eu... você...
          ― Eu o que? Fala!
          ― Você tá... você tá certo.
          ― Então! Do que você tem medo? Diz!
          ― De gostar, eu acho.
          ― Você só vai saber se tentar.
          Os dois ficam em silêncio. Augusto olha para os lados, procurando algo para se refugiar, mas não encontra nada e acaba por olhar para os olhos de Felipe que estão grudados nele.
          ― Eu não quero ficar com um cara...
          ― Você acabou de dizer...
          ―... eu quero ficar com você!
          Quem busca refugio agora é Felipe, mas também não encontra. Os dois ficam se olhando por alguns minutos e, de repente, se levantam, cada um de um lado da mesinha de centro, e se beijam de um jeito voraz. Felipe vai para o lado de Augusto e os dois caem no sofá, tiram as regatas e ali ficam.

          No dia seguinte, Augusto acorda, pega suas coisas, escreve um bilhete, que deixa ao lado de Felipe, e sai.
          Ao acordar, Felipe vê um papel colado na testa, o puxa e lê.
          “Valeu pela noite! A gente pode continuar se encontrando fora do trabalho se você quiser, só não conta pra ninguém lá da firma, beleza? Um abraço beijo, Augusto”
          Um leve sorriso brota no canto dos lábios de Felipe, o peso da mão faz com que ela caia sem soltar o bilhete e ele ri, de leve, sem malicia, de, quem sabe, alegria.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011